All you need is Beatles

  Eu tenho uma relação muito peculiar com a música. A única coisa que eu consigo fazer enquanto escuto música é escrever, porque ela consegu...

 

Eu tenho uma relação muito peculiar com a música. A única coisa que eu consigo fazer enquanto escuto música é escrever, porque ela consegue me causar sentimentos que uso para traduzir o que sinto. Fora essa atividade, em específico, não existe nada que eu consiga fazer enquanto realmente escuto a música. Quero dizer, prestar atenção nela. Em qualquer outro cenário, a música não passa de um mero som ambiente para preencher o vazio do silêncio, que não me incomoda tanto quanto costuma incomodar as pessoas que eu conheço, mas isso é assunto para um texto diferente. Neste, eu quero falar de uma das bandas que me prenderam por um período considerável de tempo.

Dada a minha relação de estudo com a música, durante a minha adolescência, eu gostava de focar em uma banda ou cantor em específico, me dedicar a ouvir suas músicas (ou umas em específico) por um determinado período de tempo, ler um pouco a respeito, e depois ir para outro vício auditivo. E realmente sempre me apeguei mais ao prazer auditivo do que visual: assisti poucos videoclipes (é assim que se fala ainda?) das músicas que já gostei muito. Nunca me apeguei a isso. A música sempre teve o papel de ser, por si só, uma experiência para mim.

 

             

Eu não gostei dos Beatles em um primeiro momento. Eu achava o som meio estranho, fugia da fluidez que eu estava acostumada. Era nostálgico, eu me sentia num filme do passado (e sabemos bem o motivo). Mas era uma sensação que eu não consegui apreciar muito bem quando ouvi pela primeira vez.

     Foi então que eu conheci I Want to Hold Your Hand[i], e ela despertou algo em mim. Eu me sentia compreendida por aquela letra, mesmo com a distância de 45 anos. Essa música tinha o poder de me deixar feliz e triste ao mesmo tempo, e sentir coisas que eu não sabia direito como explicar.

     Até que eu descobri a banda para além de vídeos brega de feliz aniversário com Let It Be[ii] no fundo. Eu comecei a escutar a discografia, ler as letras, entender a harmonia por trás dos Fab 4[iii]. E a coisa mais legal sobre a minha relação com o grupo, é que eu não sei, e talvez nunca saiba dizer com certeza, qual dos álbuns é meu favorito.

     Eles me ensinaram conceitos que eu só fui descobrir com clareza bem depois, com a maturidade, quando fui também descobrir a filosofia oriental. Toda essa coisa de All You Need is Love[iv]. Eu já ouvi muita gente dizer que os Beatles eram só uma boyband[v], e que muitas pessoas só gostavam porque era moda. O fato é que você precisa ir um pouco mais além do que ler as letras para tentar entender de verdade, analisar um pouco o contexto histórico da década de 60 ao redor do mundo.

     Os anos 60 foram marcados por modelos totalitários, e revoluções sociais e culturais eclodindo em muitos lugares do nosso globo. Não era uma época de paz. Existia – e ainda existe – um massacre capitalista por trás da sociedade. E dentro das letras dos Beatles existia muito disso tudo, às vezes, não tão explícito assim. Dentro desse contexto, algumas pessoas dividem a trajetória da banda em quatro fases.

     Na fase inicial, eles tinham um foco mais parecido com as boybands, com letras mais românticas, e um som mais tímido. Ainda testando e amadurecendo. Brian Epstein, empresário do grupo, foi crucial nesse período, mudando o visual dos meninos e fazendo com que eles se tornassem marcantes, adotando o mesmo corte de cabelo, e usando ternos nas apresentações. Esta fase é marcada pelos álbuns: Please Please Me (1963), With The Beatles/Meet The Beatles (1963) e A Hard Days Night (1964).

     Depois veio a fase de transição, onde a música aparecia mais evoluída, com influência do folk rock (popularizado pelo Bob Dylan nos EUA) e do pop. Eles passaram a compor mais, e o som ficava cada vez melhor, mais maduro. Começava a transparecer mais a personalidade de cada um deles, e cada um deles foi desenvolvendo sua fama individual dentro do grupo. Os álbuns desta fase são: Beatles For Sale (1964), Help (1965) e Rubber Soul (1965).

     Em 1966, eles decidiram parar de fazer performances ao vivo, e dedicarem seu tempo à produção musical em estúdio. Essa fase ficou conhecida como a Fase psicodélica, marcada pelos álbuns: Revolver (1966), Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (1967), Magical Mystery Tour (1967) e Yellow Submarine[vi] (1969). O álbum Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band é considerado um clássico da história do rock. Nesta fase, cada membro começou a escrever e criar sonoridades únicas, indo pra diferentes direções. Começaram a se vestir como queriam, e deixar seus cabelos mais longos. Isso inspirou muitas pessoas nos anos 60 a se vestirem do seu próprio modo, em vez de seguir padrões tradicionais.

     Após uma viagem à Índia, George Harrison (guitarrista, compositor e cantor da banda) tornou-se o precursor da união musical entre ocidente e oriente, ao incluir elementos da música indiana no rock dos Beatles. O que fez com que toda a sonoridade dos rapazes se tornasse diferente do que existia na época.

     Além disso, a decisão de parar com os shows e se dedicarem ao desenvolvimento musical dentro do estúdio nos faz questionar algumas coisas que costumamos tomar como normais, dentro de uma determinada perspectiva. Enquanto arquiteta, e introvertida, consigo enxergar nisso uma paixão musical muito grande. Mas poderia ser só devido às ameaças e ao ritmo exaustivo que os rapazes tinham. Mas eu ainda gosto de romantizar as coisas.

     Antes de se dissipar, a banda teve um momento de retorno, talvez com um pouco de nostalgia, considerada como a fase Back To Basics Beatles, com os álbuns: The White Album (1968), Abbey Road (1969) e Let It Be (1970).

     Apesar da visão que se tenha do mundo, ou da época em que se viva, qualquer pessoa pode encontrar conforto nas letras e melodias dos quatro rapazes. É possível sentir com todo coração, se estiver disposto, um mundo completamente novo através da visão deles.

     E eu acho que esse é o tipo de coisa pela qual vale a pena viver. Citando Alain de Botton: “Art holds out the promise of inner wholeness” (Tradução livre: A arte mantém a promessa de plenitude interior). Existem coisas que a gente só consegue viver através da arte.

     Conta pra mim qual é o seu top 10 de músicas dos Beatles? 

O meu está aqui

  




[i] I Want to Hold Your Hand é um single lançado em 1963, do álbum Meet the Beatles (1964).

[ii] Let It Be é um single lançado em 1970, do álbum Let it Be (1970).

[iii] Fab 4 – Os quatro fabulosos (tradução livre), forma como um os Beatles também eram chamados. O apelido começou com Tony Barrow, assessor de imprensa da banda.

[iv] All You Need is Love é um single lançado em 1967, do álbum Magical Mystery Tour (1967).

[v] Boyband é um termo definido como um grupo vocal constituído por cantores do sexo masculino, geralmente composto por jovens durante a adolescência, ou na faixa etária dos 20 anos no momento de sua formação.

[vi] Yellow Submarine foi um álbum trilha sonora, gravado no período psicodélico dos Beatles (1966-1968), mas lançado em 1969. Apenas 6 músicas do álbum são da banda, sendo apenas 4 delas inéditas.

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